quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Abreu e Lima e as Américas

Paulo Santos de Oliveira

Daqui a um ano e meio, por quase todas as Américas, estará sendo festejado o bicentenário das lutas pela libertação do colonialismo europeu, iniciadas em 1810, após a invasão da Espanha por Napoleão. Os nossos vizinhos de continente, para libertar-se, travaram centenas de batalhas, sofreram matanças indiscriminadas de milhares de civis, foram obrigados a deslocar populações inteiras e a realizar campanhas militares épicas, lideradas por homens da estatura do chileno Bernardo O’Higgins, do argentino San Martin e, acima de todos, do venezuelano Simón Bolívar. Enquanto nós, tupiniquins,não mexemos um dedo para interferir nesse processo.A não ser por um grupo de cinco pernambucanos, encabeçado por José Inácio de Abreu e Lima.
Evadido dos cárceres portugueses, alguns meses após a Revolução de 1817 – e após ser obrigado a assistir o fuzilamento do próprio pai, o Padre Roma, um dos líderes daquele movimento –, o jovem capitão José Inácio embarcou secretamente para os Estados Unidos, em seguida dirigindo-se à Venezuela. E a partir de lá, combatendo ao lado de Bolívar – de quem se tornou amigo e esteio, a ponto de ser designado responsável pela segurança pessoal dele em seus últimos dias, a caminho do exílio – atingiu o posto de general nos exércitos republicanos e ajudou a libertar uma vasta região que também inclui os atuais Panamá, Equador, Peru, Bolívia e Colômbia. Pelo seu desempenho como militar e político, Abreu e Lima conquistou um lugar de destaque entre os heróis dessas nações e no seleto rol dos “Libertadores das Américas”, tornando-se o brasileiro que mais se distinguiu no exterior. Mas isso não é tudo.
Além de militar valoroso, o general também desenvolveu intenso trabalho como jornalista, polemista, ensaísta e historiador. Recebeu de Bolívar a incumbência de defendê-lo num debate intelectual travado na Europa, com ninguém menos que o francês Benjamim Constant. E cabe-lhe o mérito de haver sido o primeiro no continente a propagar as idéias socialistas, mesmo não se tratando do socialismo dito “científico” de Marx e Engels, aos quais não chegou a fazer referência, nem tampouco àquele dos “utopistas”, como Fourier e Saint-Simon, dos quais foi crítico ferrenho. Abreu, embora não abandonando parte dos valores semi-aristocráticos nos quais foi criado, no Engenho Casa Forte, tornou-se um ferrenho progressista, abolicionista e defensor dos humildes. Por isso até ganhou, após voltar ao Brasil, o epíteto jocoso de General das Massas, dado a ele pelo cônego Januário da Cunha Barbosa, autor da comédia “A rusga da Praia Grande ou o quixotismo do General das Massas”, encenada no Rio de Janeiro. Um apelido, aliás, que assumiu plenamente: “pois me considero, mesmo, um dos muitos. Também faço parte deste povo que é depreciado a cada instante, e a quem os espertos chamam ‘vil canalha’, depois de havê-lo enganado para encher os bolsos e enriquecer, às custas da sua boa-fé!”.
Apesar de reverenciado em vários países – e de, por iniciativa do governador Barbosa Lima Sobrinho, emprestar seu nome a um município pernambucano – Abreu e Lima continua desconhecido no seu próprio, inclusive em seu estado natal. Uma ignorância que se estende ao longo processo de lutas pela libertação da América Latina, na qual ele representou papel de relevo, pois os brasileiros não gostam muito de olhar para o seu continente (talvez porque vejam a sua própria imagem refletida nele, preferem espiar, por cima do muro, para Miami; ou, os mais bem educados, para Paris). À medida, contudo, que se aproxima a data da inauguração da refinaria que também levará seu nome, em Suape, e do Bicentenário das Independências, a figura do general deverá aparecer nos noticiários. E graças a ele e aos seus companheiros, quando os hermanos estiverem fazendo a sua festa, em 2010, poderemos lembrar que pelo menos um punhado de pernambucanos também esteve lá, há duzentos anos, pelejando pela liberdade, pela democracia, pela igualdade social e pela unidade latino-americana - as causas de Simón Bolívar, o Libertador das Américas, e do General das Massas, José Inácio de Abreu e Lima.

Paulo Santos de Oliveira é jornalista e escritor, autor de A Noiva da Revolução.

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