segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Ganhar com a Crise


Frederico Katz
[Economista e Consultor do NEAL - Núcelo de Estudos para a América Latina/Universidade Católica de Pernambuco]

A crise econômico/financeira que, em maior ou menos intensidade, envolve o mundo todo, deve servir, quando menos, para nos ensinar algumas lições. Seguem-se quatro notas sobre o tema. São constatações e possíveis respostas a questões ainda controversas.
A primeira é uma constatação, de que o credo Liberal, baseado na idéia de que o livre funcionamento dos mercados conduz a economia de forma perfeita, recebeu um enorme golpe. Perde assim, a nosso ver, qualquer possibilidade de pretensão ao status de ‘verdade absoluta’. Da mesma maneira que, vinte anos atrás, se observou que o Estado, conduzindo de forma unilateral e sem regulação a economia e os negócios de suas empresas, está propenso a erros, verifica-se agora que a conclusão que se tirava sobre a superioridade, e mesmo blindagem, da gestão pelo interesse privado, não é mais virtuosa e também está sujeita a desvios que podem até ser mais desastrosos.
Consideramos que a simples menção de palavras como, Parmalat, Enron, J.P. Morgan, Derivativos, Sub-Prime, Circuit Breaker e 700 bilhões de dólares americanos, completam o argumento. Não insistimos no ponto para que não soe como referência “a corda em casa de enforcado”.
A segunda constatação é que entre os fanáticos pelo Credo Liberal, e isto é certamente verdade para outros credos, alguns não são tão fanáticos. Vem de alguns de seus lideres a proposta de que, agora sim, o Estado intervenha. Será que os princípios que constituíam as “leis econômicas mais naturais e justas” mudaram? Certamente não.
O que há é que, como em outras instancias, o discurso se distingue das ações de ordem pratica, toda vez que interesses poderosos estão em jogo. Surgem assim as propostas de todas estas injeções exógenas, para utilizar um termo tão a gosto dos Liberais, de recursos públicos.
A terceira observação diz respeito à pergunta se os 700 bilhões resolveriam tudo, e não se poderia apresentar mais que uma resposta tentativa.
Infelizmente, o que provavelmente acontecerá é que os Estados envolvidos vão garantir, principalmente, a retenção pelos especuladores de parte da enorme dinheirama de capital fictício que foi ganha nos Cassinos. Isto constituirá uma nova estupenda redistribuição de riqueza, agora real, em favor dos mais ricos.
Se não houver reação pública, os maiores perdedores, entre os envolvidos, serão os pequenos e médios poupadores e tomadores. Depois deste “O Rei está Nu”, se verá a Lei do Valor operando muito fortemente no sentido de recompor uma maior aproximação entre a economia real e os desvarios financeiros. E será unicamente esta, a economia real, a Fênix que, sobre os escombros, condicionará a reconstrução de mais um período de funcionamento “normal” da economia e do “Mercado”, até outro desvario.
Claro, o grau da destruição será maior ou menor, dependendo das formas de intervenção e do tempo que se leve para conseguir a recuperação da confiança, o que depende da convicção da sobredeterminação do real sobre o, fungível, monetário.
A quarta nota observa que a crise é de fato tão ampla e profunda, que seus estilhaços devem atingir longe, no outro extremo do espectro ideológico. A lição aqui é que é necessário rever o entendimento da paradigmática “Teoria da Financeirização”. Sem duvida a esfera financeira tem sido, nas últimas décadas, uma instancia de muita força na economia mundial. Porém, como temos dito, e agora perece que se vê a confirmação, não se tratava de uma situação definitiva, um beco sem saída.
Não se tratava do “Fim da História”, nem mesmo da Historia do Capitalismo. Apesar das importantes denuncias dos seguidores desta “Teoria”, os mesmos confundiram uma fase do capitalismo, no sentido de um período onde certas características predominam e que eventualmente se repete como as fases da lua, com o que seria uma etapa diferente de tudo que antes ocorrera e que não se repetiriam etapas anteriores, como no caso dos girinos que não voltam a ser ovos e evoluem irreversivelmente para anfíbios.
Se, conforme cogitamos na nota três, a esfera financeira sair fortemente abalada desta crise, e a economia real, a esfera da produção, retoma sua capacidade de determinação conjunta com a esfera da circulação, muitas das conclusões baseadas na Teoria da Financeirização terão que ser revistas.

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